Apesar das diferenças linguísticas e geográficas, eles mantiveram os mesmos elementos míticos, lendas e costumes ancestrais. A melhor preservação no norte europeu do legado religioso original deve-se à conversão mais tardia ao cristianismo dos escandinavos, em comparação com a dos europeus continentais.
No post "OS POVOS NÓRDICOS DAS ORIGENS À ATUALIDADE" foi analisado o surgimento das crenças e práticas, originárias do passado comum indo-europeu, ampliadas com as tradições e os elementos nativos das tribos que já moravam no norte e nordeste europeu, lá existindo desde a pré-historia. Foi comprovado, através de pesquisas de mitologia comparada e filologia, que os dialetos germânicos e escandinavos do continente, junto com as línguas de origem latina, eslava, celta, hindu e persa, pertenciam à mesma família linguística indo-europeia.
As várias tribos que saíram das suas pátrias da Ásia Central para conquistar novos territórios - no norte da Europa e no leste, chegando até a Índia - levaram consigo nas suas migrações não apenas uma base linguística comum, mas uma mesma fé e mitologia, partilhadas por todos. Da mescla dos seus mitos e práticas surgiu o complexo panteão nórdico e os grupos das divindades Aesir e Vanir, além dos vários arquétipos de seres sobrenaturais, guardiões da natureza e os amplos duradouros cultos aos ancestrais.
Do mesmo tronco indo-europeu, outras tribos arianas vindas da Ásia Central se deslocaram para o sul da Europa e, com o passar do tempo, lá floresceram duas relevantes culturas: a grega e a romana. Separadas por condições geográficas diferentes e com outro tipo de desenvolvimento histórico, social e cultural, à primeira vista a mitologia nórdica e greco-romana têm pouco em comum. Mas, analisando com atenção e cuidando, observamos uma analogia dos conceitos fundamentais, com mitos e divindades semelhantes, as diferenças sendo devidas às influências recebidas pela diversidade semelhantes, as diferenças sendo devidas às influências recebidas pela diversidade das tribos conquistadas e integradas ao Império Romano, além do clima e da natureza específica às regiões temperadas e à bacia do Mediterrâneo. Percebem-se assim as sementes indo-europeias, que deram origem a ambas as tradições, mas como um colorido e descrições diferentes.
Oferecemos neste pequeno capítulo conhecimentos, comparações e analogias para aqueles leitores que desejam se aprofundar e compreender melhor o fascinante legado e mitológico do norte e do sul da Europa.
Agora, vamos a coisa séria!
O início dos tempos
Os povos nórdicos acreditavam que o mundo surgiu do caos, pois no princípio não existia nem céu, nem terra, apenas um abismo sem fundo, com uma extremidade de fogo (Muspelheim) e a outra de gelo (Nilfheim); espelhando o seu habitat, a criação do mundo na cosmologia nórdica era representada como um encontro dramático entre as forças primordiais do fogo e do gelo. Essa imagem é um traço característico da natureza islandesa, onde é visível o contraste entre o solo vulcânico, os gêiseres borbulhantes e os grandes icebergs ao redor. Desses elementos opostos - fogo e gelo, calor e frio, expansão e contração - nasceram os Jötnar (os gigantes nórdicos), que, semelhante aos Titãs, os precursores dos deuses gregos, tinham uma impressionante força e resistência física, mas diferentes deles, suas feições eram rudes e a inteligência primitiva, prevalecendo os instintos.
Os gigantes representavam os poderes naturais dos elementos e do ambiente em que viviam, alguns deles se tornaram progenitores das divindades que os seguiram na regência do mundo. Do vazio primordial surgiram dois seres, personificações primevas da energia e da matéria, o gigante Ymir (equiparado com os Titãs, que também personificavam o fogo subterrâneo) e a vaca Audhumbla, tornando-se cocriadores no processo de formação da vida.
Ymir, como ser hermafrodita e sendo ao mesmo tempo gigante e deus, gerou vários descendentes; seus netos - a tríade divina Odin, Vili e Vé (se pronuncia Vê, ou como se fala a consoante "V") - gerados por uma força tripla (a mescla de fogo, do gelo e do principio feminino - a vaca (Audhumbla) mataram Ymir e, da sua matéria cósmica bruta, remodelaram o cosmo estático e o transformaram em um sistema vivo e dinâmico.
No mito grego, no começo dos tempos prevalecia o caos, em que todos os elementos estavam misturados formando uma massa informe, mas que continha em si as sementes da criação. O primeiro ser que surgiu foi Gaia, a mais antiga deusa e Grande Mãe primordial, a propria terra, que soprou a vida no vazio e criou montanhas (seus seios), rios (seu sangue), grutas (seu ventre), planícies, florestas e deserto (seu corpo). Apesar de Gaia representar o planeta inteiro, para os gregos ela personificava o seu país e a fertilidade e abundância da terra.
Ao unir-se ao seu primogênito, Urano, o céu, ela gerou os 12 Titãs (entre os que sobressaíam Cronos, Oceano, Hipérion, Eurinome, Têmis e Mnemosine) e depois os Ciclopes, seres gigantes e imbuídos de força irracional, que foram aprisionados por Urano (que temia seu poder primal), no mundo ctônico, o Tártaro. Revoltada com a sorte dos seus filhos e preocupada com a crueldade do seu marido, Gaia persuadiu seu filho Cronos, o mais jovem dos Titãs, a castrar e matar Urano; do seu sangue, que fertilizou novamente Gaia, surgiram as Fúrias, vários seres gigantes e ninfas das árvores.
Cronos regeu a Idade do Ouro, um período de paz e prosperidade, mas devorava seus filhos à medida que nasciam, com medo de ser por eles destronado, assim como ele tinha feito com seu pai. Como o Senhor do Tempo, Cronos na realidade representava o fim de todas as coisas. Seu filho Zeus escapou a esse cruel destino por ter sido escondido pela sua mãe em uma gruta no monte Ida, em Creta (é Creta, do labirinto), onde foi amamentado pela cabra Amaltea e cuidado pelas ninfas.
Com a ajuda da deusa Métis, Zeus administrou um veneno ao seu pai, que o fez vomitar e devolver todos os seus filhos. Zeus - ou o seu equivalente romano Júpiter - libertou alguns dos Titãs presos no Tártaro e entregou aos seus irmãos Posêidon e Hades, os reinos do oceano e do mundo subterrâneo. Zeus se declarou o governante supremo, dos deuses e dos homens e foi morar no palácio do Monte Olimpo, de onde supervisionava todos os recantos do mundo seguia a sua própria jornada, a busca do poder e do prazer.
Tanto os gigantes do fogo e do gelo, quanto os Titãs, foram vencidos após as batalhas ferozes, em busca da supremacia e do poder e foram banidos pelos seus descendentes, após sua derrota, uns para Jötunheim, os outros para Tártaro, sendo obrigados a ceder seu poder primevo para um novo panteão, mais refinado. Engrandecidos pela sua vitória, os vencedores - que eram aparentados entre sí - se instalaram em palácios dourados, seja os do reino nórdicos de Asgard (as moradas das divindades Aesir), situados num dos níveis sutis da Árvore do Mundo, Yggdrasil, seja os dos seus equivalentes gregos do Monte Olimpo.
A criação do homem
A tríade nórdica divina Odin, Vili e Vé - os descendentes de Ymir - é semelhante aos deuses Zeus, Poseidon e Hades, que por terem maior poder e astúcia, venceram os gigantes e assumiram o controle do mundo.
Os gregos modelaram as suas primeiras imagens de argila, por isso imaginaram que Prometeu tivesse usado o mesmo material quando ofi chamado para confeccionar uma criatura inferior aos deuses, mas acima dos animais. Como as estátuas nórdicas eram feitas de madeira, os nórdicos atribuíram a criação dos primeiros casal humano ao uso de troncos de árvores.
Os deuses nórdicos criaram o primeiro casal humano a partir de tronco de árvores, ou seja, da matéria orgânica preexistente, aos quais deram o espírito, os sentidos, o movimento, as funções da mente, o dom das palavras, a energia vital e a consciência (que poucos usam hoje em dia).
Na mitologia greta, quem criou o homem foi Prometeu, um dos Titãs, que misturou terra e água (lama/barro, cristianismo, hmmm) e modelou um ser à semelhança dos deuses, que, diferente dos animais, ficava em pé e olhava para os céus, podendo assim invocar os deuses e agradecê-los. Para torná-lo especial e diferente dos seus irmãos menores, Prometeu entregou-lhe depois o fogo tirado do sol, que lhe assegurou a superioridade ao usá-lo para cozinhar, se aquecer ou defender e modelar metais em ferramentas e armas.
A primeira mulher foi Pandora, criada no céu, onde cada deus contribuiu com alguma coisa para aperfeiçoá-la: Afrodite, lhe deu beleza; Hermes, a persuasão ; Apolo, a arte. Ela concebeu também uma caixa que não devia abrir, porém movida pela curiosidade, destampou-a e espalhou para humanidade o conteúdo de pragas, maldades, males e doenças, permanecendo na caixa apenas a esperança. Assim, sejam quais forem os males que nos ameaçarem, a esperança nos permite sobreviver e vencer. Obviamente esse mito tem uma conotação patriarcal e masculina, semelhante ao conto bíblico sobre a criação de Eva, declarada responsável pela desgraça e a punição da humanidade.
Ambos os panteões seguiam uma hierarquia família e uma evolução progressiva, correspondendo às Idades de Ouro (em que prevalecia a justiça, a paz, a abundância), Prata (quando o ano foi dividido em estações, as moradas se tornaram necessárias, a terram tinha que ser plantada e cuidada), Bronze (o começo da competição e dos combates entre os homens) e por último a de Ferro (quando a humanidade tornou-se vil e violenta, começando a destruição dos recursos da terra), que passou a ser dividida em propriedades cobiçadas e conquistadas à força. Inúmeras guerras irromperam, havia crimes até mesmos entre familiares e a terra ficou manchada de sangue, até que is deuses entristecidos decidiram abandoná-la. Zeus ficou enfurecido com o caos reinante e decidiu destruir todos os seres humanos, jogando sobre eles o seu raio, para propiciar o nascimento de uma nova e mulher geração. Porém, temendo que o fogo afetasse o próprio habitat dos deuses - o céu -, ele escolheu outra forma de punição, provocando um dilúvio. Para isso Zeus desencadeou o movimento dos ventos, o avolumar das ondas, deixou os rios saírem dos seus leitos, sacudiu a terra com terremotos e erupções vulcânicas, até que nada mais restou das moradas, dos animais, árvores, plantes, campos, florestas ou seres humanos.
Cosmogonia
Na visão nórdica, a morada da humanidade - Midgard ou Manaheim - era cercada pelo mar, em cujas profundezas habitava a terrível Serpente do Mundo, enrolada ao redor de si mesma e mordendo sua cauda, cujas contorções provocavam ondas gigantes e tempestades marinhas e que iria ser fator preponderante ao cataclismo final do Ragnarök. A passagem entre o mundo divino e os outros mundos - incluindo o humano - era feita pela ponte do Arco-Íris, formada de fogo, água, ar e guardada pelo deus Heimdall. O cosmo multidimensional era representado pelo Yggdrasil, a Árvore do Mundo, cujas três raízes correspondiam às três dimensões (dos deuses, homens e dos mortos), que interligavam nove mundos, intercalados no espaço e sub cujas raízes brotavam três fontes sagradas, com significados e funções diferentes. A árvore gerava e sustentava a vida e abrigava as almas à espera do renascimento.
Os gregos acreditavam que a Terra fosse redonda (deer) e chata e que o seu país ocupava o centro da Terra, sendo seu ponto central o Monte Olimpo, a residência deus deuses, ou o templo oracular de Delfos. Na sua visão, o disco terrestre era atravessador de leste para oeste e dividido em duas partes iguais pelo mar (o Mediterrâneo); em torno da Terra corria o rio Oceano, cujo curso era do sul para o norte na parte Ocidental da Terra e em direção contrária do lado oriental; era dele que todos os rios e mares da Terra recebiam suas águas. O rio Oceano tinha uma superfície calma e suas correntes eram amenas, assim como era também o mar ensolarado do Sul, o Mediterrâneo.
Na cosmogonia grega existia uma terra mítica dos Hiperbóreos (a contraparte de Nilfheim, o reino enevoado e frio do mito nórdico), situada no extremo norte da Terra (possivelmente Escandinávia), inacessível por terra ou por mar, onde "penas" brancas caíam do céu cobrindo a terra (uma bela imagem da neve). Os hiperbóreos eram um povo evoluído, que desfrutava de uma felicidade perene, isentos de doenças, velhice e guerras; eles viviam atrás de gigantescas montanhas, de cujas cavernas saíam as gélidas lufadas do vento norte. Foi lá, numa tempestade de neve, que o herói Hércules realizou um dos seus 12 trabalhos, alcançando e amarrando a corça de Cerinita (que pertencia a Ártemis), que tinha chifres de ouro e cascos de bronze e corria com espantosa rapidez, sem mais ter sido presa.
Na parte ocidental da terra, banhada pelo Oceano, ficava um lugar abençoado, os "Campos Elíseos" ou "Afortunados", para onde mortais favorecidos pelos deuses eram levados para desfrutar da imortalidade, uma semelhança com Walhalla nórdica, onde os espíritos dos guerreiros mortos em batalha, festejavam em cada norte e lutavam durante os dias. Porém na extremidade oeste, os gregos imaginavam um mar escuro povoado com gigantes, monstros e feiticeiros, descrição que revelava o pouco conhecimento dos gregos sobre seus vizinhos, além daqueles do leste e do sul do país.
Nornes e Moiras
É evidente a semelhança entre o conceito de orlög nórdico e do destino grego, entre as poderosas Senhoras do Destino - Nornes e Moiras, respectivamente - que presidiam a todos os nascimentos e determinavam o futuro das crianças, bem como o traçado da sorte dos humanos.
Os Povos nórdicos sabiam, que mesmo reverenciando, invocando e fazendo oferendas às divindades, elas não iriam deles afastar os perigos e as adversidades, por fazerem parte dos testes e provações dos seus destinos, previamente designados e traçados pelas Nornes. As lendas e os mitos nórdicos não descrevem atos de revolta, ou demonstrações e contratempos das suas vidas; pelo contrário, observa-se uma heroica aceitação da inevitabilidade dos problemas e dificuldades, celebrando e agradecendo em troca os prazeres sensoriais e as dádivas materiais da existência.
Os deuses conferiam à humanidade a aceitação da vida como um traçado inalterável do destino, previamente escolhido e determinado pelas Nornes. Orlög representava o presente moldado pelas ações passadas, enquanto Wyrd era o destino individual, predestinação ao qual nem mesmo as divindades podiam escapar. As Nones podiam aconselhar os deuses que as procuravam, sem jamais atenderem pedidos ou mudares os seus destinos, como foi descrito no mito do deus Baldur.
As Nornes habitavam uma gruta nas raízes de Yggdrasil, e seus nomes podiam ser interpretados como atribuições ligadas à passagem de tempo: Urdh, "Aquilo que já aconteceu", Verdandhi, "Aquilo que está sendo" e Skuld "Aquilo que poderá vir a ser", aspectos associados também ao nascimento, vida e morte.
As Parcas ou Moiras, conhecidas como as "Fiandeiras" ou "Tecelãs", eram também um grupo em número de três deusas - como as Nornes -, representado os marcos da passagem do tempo - passado, presente e futuro. A sua missão consistia em tecer o fio do destino humano, medi-lo e com sua tesoura cortá-lo, atividade revelada pelos seus nomes: Cloto, a tecelã; Láquesis, a distribuidora e Átropos, a inevitável.
Diferente das Nornes, que tinham surgido antes do início dos tempos sem que fosse conhecia a sua origem ou descendência (portanto sendo imemoriais).
A mãe do mundo
Nas histórias gregas, relativas ao começo de tudo, três grandes deusas representam o papel da Mãe do Mundo; Tétis, a deusa do mar, Nix, a regente da noite e Gaia, a Mãe Terra, que juntas formaram uma trindade, abrangendo o domínio do céu, do mar e da terra. Mesmo sendo uma trindade, elas não constituem divisões de uma deusa tríplice, atributo que ficou associado apenas com a deusa lunar e seus aspectos da lua crescente (incluindo a nova), cheia e minguante, fases ligadas também aos estágios de nascimento, crescimento e declínio.
Nos mitos nórdicos não existem referência claras ou comprovações assim ditas científicas sobre a existência de uma única Mãe Ancestral, encontraram-se inúmeras das Suas representações como mãe tríplices, matronas, mães da natureza. Seus diversos elementos e aspectos eram reverenciados com diversos títulos e nomes, os atributos sendo diferenciados em função da tribo, localização geográfica, estação do ano ou época dos seus cultos.
Essa escassez deve-se às transcrições e interpretações de textos antigos por autores cristãos, a maioria deles monges, que davam ênfase às figuras dos deuses e heróis, que despertavam maior, interesse, fato evidente até hoje nos países com estruturas patriarcais, sejam elas religiosas, místicas, sociais e culturais.